Por Jorge Moreno
Um fantasma ronda o Maranhão: o fantasma
da impunidade, assassinato de pessoas sem a devida investigação,
processamento e punição. Quando se consegue investigar e processar, os
autos dormem nas gavetas, quase sempre prescrevendo, preguiça,
morosidade ou conivência dos órgãos estatais, transformada em direito do
réu.
Quando o hoje senador José Sarney
assumiu a governadoria do Maranhão, em 1966, prometeu por fim à
impunidade, nas seguintes palavras, conforme discurso colocado no filme
Maranhão 66, de Glauber Rocha:
“O
Maranhão não quer mais a violência como instrumento da política para
banir direitos os mais sagrados da pessoa humana, com a impunidade dos
assassinos garantidos pelos delegados e a liberdade reduzida apenas a
uma oportunidade de abastardar os homens”
Passados tantos anos, a violência ainda
continua como instrumento de resolver pendências e conflitos, contando
seus autores com a certeza da impunidade.
O assassinato do jornalista Décio Sá não
pode ficar impune, assim como tanto outros ocorridos no Maranhão.
Todos/as devemos nos indignar com esses fatos, que violam profundamente o
sentido de sociedade democrática que queremos construir.
Tenha a posição que tiver, expresse a
opinião que quiser, todos nós devemos exigir a apuração rigorosa desse
crime e de todos os outros ocorridos e que, por algum motivo, resultaram
em no mais absoluto e comprometedor silêncio.
Sobre eles, como o povo diz, foi colocada uma pedra, restando apenas saber por quem e por qual motivo.
Na verdade, existe uma relação simbólica
entre esse crime e as demais eliminações físicas ocorridas no Maranhão.
Como o sistema de segurança e o aparelho de justiça não funcionam a
contento, são coniventes e complacentes, não punindo com rigor os
culpados, alguns aproveitam essa oportunidade para pensar e realizar
práticas como essa.
Isso mesmo: pensam e realizam, pois têm a
consciência de que nada irá lhes acontecer, a não ser que entre no jogo
a pressão social, exercendo a sociedade o seu poder de exigir o
cumprimento do dever por parte das autoridades públicas, aí a máquina
funciona e funciona numa velocidade surpreendente, para que todos pensem
que ela é assim mesmo, quando na verdade só funciona por interesse ou
por pressão.
Pode-se dizer que alguns se sentem no
direito de tirar a vida dos outros, porque sabem de antemão que ficarão
impunes, pelo passado de impunidade existente em nosso Estado. Aí se
sentem no direito de levar qualquer divergência para o campo da desforra
pessoal, vindita e eliminação física, como ocorreu com o jornalista.
Todos os que lutam pela democracia sabem
que a divergência deve ficar no campo das ideias, opiniões e
pensamentos, direito humano de primeira geração, não se permitindo
ultrapassar essa fronteira. De modo algum beirar a violência física,
intimidação ou ameaça, muito menos assassinato.
A sociedade deve exigir apuração, rápida e dentro da lei.
A morte do jornalista, de vários
cidadãos comuns e de tantos militantes de direitos humanos, que tiveram
suas vidas ceifadas em nosso estado, é uma demonstração clara de que o
sistema não funciona, não garante a segurança para que haja um ambiente
democrático e, fundamentalmente, coloca-nos na seguinte posição: estamos
todos/todas em maus lençóis, somos todos/todas vulneráveis, o que
aconteceu pode ocorrer com qualquer um e ficar por isso mesmo.
Devemos nos levantar, erguer os punhos, dar as mãos, pois todos/todas estamos correndo o risco de vida.
Isso mesmo: o direito à vida de uma
pessoa quem garante é a sociedade, por seus estatutos e leis, e quando
ela é tirada, de forma violenta como foi, e não existe apuração e
punição, a vida de todas as pessoas se fragiliza, fica na berlinda.
Por isso todos devemos nos indignar,
exigir rigor. O mesmo rigor e a mesma indignação, tanto em relação à
morte do jornalista, quanto em relação à morte de qualquer cidadão,
ainda mais quando está na posição de defender o direito de outras
pessoas, exemplos recentes dos líderes camponês “Cabeça”, em Buriticupu,
e do quilombola Flaviano, comunidade Charco/São João Batista, só para
citar alguns, casos gritantes de impunidade.
Ou resolvemos isso, caminhando para a
civilização, ou o nosso destino é a barbárie, onde o império da lei é a
força, a astúcia e o arbítrio, lugar em que o homem existe como lobo do
próprio homem.
Jorge Moreno é juiz, aposentado compulsoriamente pelo Tribunal de Justiça do Maranhão, e um dos articuladores das Redes e Fóruns de Cidadania do Estado do Maranhão.
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